quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Mão Que Escreve




Tarde morna. Brisa perfumada balançando folhas.
Pequenos pássaros, grandes borboletas, extraem o pólen
das flores no cio...
O gato, impaciente, quer carinho.
O silencio, ensurdecedor, desperta angustia.
As bananeiras carregam pesados cachos, não podendo.
viver sem esses fardos.

É a natureza irracional. Latente...
Mentes insanas saboreiam bananas.
Olhos voam com a brisa.
Ouvidos entardecem mornos.
Mãos seguram perfumes.
Braços se estendem.
Corpos balançam mostrando seu sexo.
É a transcendental natureza humana inerente...
Irreverente e astuta, a Mão escreve.
Coloca no papel palavras desconexas.
Usa a imaginação sem fantasia.
Raciocina sem coerência.
Quer escrever tesão e só consegue amargura...
Formas disformes encontram ritmo nas palavras escritas sem recato.
Discrimina, escolhe. Não resolve, nem põe término ao tédio.
Sacrilégio, escrever sem ver, profanas palavras não escritas.
Um muro ergue-se diante dos olhos.
Chuchus escalam fios cortantes até o telhado.

As nuvens tudo percebem.
Aviões atravessam suas ruas etéreas...
Lânguidos pensamentos esvoaçam desejos...
A Mão que escreve é um lampejo de liberdade.
Quer conhecer o braço que lhe dá movimento.
Descobrir o corpo que a carrega.
A cabeça condutora. A essência que a faz escritora.
- Não a deixarei me corrigir - diz a Mão, persistente.
Quero ver com meus próprios dedos, sem unhas esmaltadas.
Vou errar sozinha!

Tento frear esse impulso em vão.
Ela, a Mão, é feroz e corajosa. Eu, insegura e passiva.
Devo dominar essa Mão desorientada. Sei que é preciso.
Olho ao redor e me vejo só.
Nada pode impedi-la de continuar seu intento.
Lembro-me da outra mão.
Porém, o que poderá ela fazer, se é destra?
Decido, finalmente, usar da força.
Faço a outra mão agredi-la.
Junto coragem e seguro com veemente severidade a Mão dominadora.

Esta, revoltada, volta seus dedos faiscantes para mim.
Jogo meu olhar contra suas faíscas e consigo, assim, controlar a Mão.
Foi um processo de autodisciplina válido e doloroso.
O resultado está por surgir de minhas entranhas.
Do meu sangue corrente intravenoso.
Do escarro na garganta. Da náusea predominante...

Autora Ligia Tomarchio

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