terça-feira, 8 de setembro de 2009

Canção (2)



Não sou a das águas vista
nem a dos homens amada;
nem a que sonhava o artista
em cujas mãos fui formada.
Talvez em pensar que existia
vá sendo eu mesmo enganada

Quando o tempo em seu abraço
quebra meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço
mais fico inteira e serena.
Por meu dom divino faço
tudo a que Deus me condena.

Da virtude de estar quieta
componho meu movimento.
Por indireta e direta,
pertubo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta, - em cada momento.

Não digas aos que encontrares
que fui conhecida tua.
Quando houve nos largos mares
desenho certo de rua?
E de teres visto luares,
que ousarás contar da lua?

Cecília Meireles

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